12.9.11

A Leitora


Saí de casa desprentecioso, empurrado pelo vento frio e ruído de motor. Perambulando pela cidade vazia em busca de algo que eu não havia perdido, afinal, não há jeito de perder algo que realmente nunca foi seu. Tanto asfalto percorrido até aquele calçamento de pedra antigo, castigado por saltos de sandálias e solas de botinas fora de moda. Pedras que guiavam a um singelo estabelecimento que já me era usual nas quintas-feiras. Eu sorri para a tarde que deslizava telhado a baixo, deixando o escuro dar contraste aos raios alaranjados que escapavam pela grade de madeira de lá.

Na mesa, sorrisos servidos. Alguns lindos, outros nem tanto;mas todos lidos. Tudo fora cuidadosamente assimilado, com exceção daquele par de olhos castanhos que a noite trouxe pelas mãos e libertou para perto de nossos rústicos assentos. Sua dona ficou ao nosso lado, acariciando a todos, cada um à sua vez. Ela sussurrava. Eu a olhava tal criança observando uma caixa de presentes fechada. Meus pensamentos suplicantes se tornaram verbos, e assim suplicaram ao par de olhos que acariciassem-me também.“Sim”, ela respondeu. Esperei calado, como de costume. A luz ainda era alaranjada, mas não iluminava o suficiente. Ela veio, silenciosa, sorrateira, sorrindo. Ao seu primeiro toque senti uma atmosfera mista de misticismo, dúvidas, adrenalina e curiosidade me entupirem as vias respiratórias. Eu me afogava e gostava; acima de tudo ouvia. Cada letra cuidadosamente costurada a outra formando a colcha de palavras que me embrulhava foi sendo gravada em minha memória.

Tocava lento, deslizando a ponta dos dedos em cima de cada linha, explicando cada traço. Falou sobre mim; meus passos, minhas quedas. Meu auge; meus cortes. Rasos, sem vida aparente, sem voz. Levemente foi em cada campo, me explorava com os olhos. Quando menos esperava, seu silêncio e um sorriso mudo. Não poderia acabar assim. Minha frágil Vida. Futuro. Dinheiro – até isso! Passamos pelos clichês que me soaram tão verdadeiramente coerentes, mas ainda havia um vácuo. Não houve muitas palavras lindas. Quando perguntei sobre minha maior curiosidade e aflição, seus dedos me atravessaram o peito, fazendo suas unhas, que nem longas eram, cravarem-se em meu coração. Ela acariciou minha linha mais rasa, mais fina; e com voz lamentosa me respondeu descosturando:“Amor? Criança, não tem. Nunca teve”. Minha memória falha adiante. Foi o fim daquela noite.

Talvez mentisse, talvez me provasse. Eu não quis cogitar essas possibilidades. O choque foi maior do que a minha vontade de ficar. Não falei, não perguntei, não exclamei. Sou um verbo no pretérito perfeito. Perfeito, só assim mesmo. Pelos meus olhos, escorri.


3 comentários:

  1. Felipe,
    Como eu gosto de ler o que você escreve :)
    Muito bom, sempre.

    Beijos

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  2. Que conto bom de se ler!
    Nem tenho muito o que dizer.
    Lindo!
    Parabéns!

    =)

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  3. Aném, Felipe! Fiquei todo arrepiado aqui. Já disse que eu adoro esses seus contos, né? Pois é!

    Quando eu crescer quero ser que nem você! rs'

    Até mais

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